- Não sei, amanhã tens que te levantar cedo – Responde Scott angustiado.
- Mas pai, eu já há tanto tempo que não a vejo. - Afirma Lisa, tentando convencer o pai.
*
Não muito longe da casa de Lisa e da sua família, habitavam numa outra os Silva Lobo. Já era tarde e Sérgio não chegava e, às tantas, era melhor assim. Pedro, o filho mais novo do casal, estava fechado no quarto, entristecido.
Sérgio Silva Lobo tem quarenta e quatro anos e é o presidente da câmara de Lisboa, e sempre teve grandes aspirações políticas. É casado com Dora Silva Lobo e teve três filhos com ela – Gonçalo, Tiago e o Pedro.
Gonçalo Silva Lobo é casado e vive nos Açores; Tiago é o filho do meio; é membro da Policia Judiciaria, solteiro e bom rapaz, vive no Porto; Pedro, o filho mais novo, ainda vive em casa. Pelo menos nas férias, sim.
Dora Silva Lobo vive para manter as aparências. Não amando Sérgio, vive com ele, amedrontada, temendo também pelo filho mais novo. Como não tem onde cair morta, mesmo sabendo que o seu marido não é flor que se cheire, sabe ao mesmo tempo que ao menos ao seu lado tem um teto. Não arrisca em contrariar Sérgio porque sabe que nem é capaz de o enfrentar sozinha, nem com a ajuda de Pedro. O maior medo de Dora é que Sérgio descubra toda a verdade.
Pedro Silva Lobo é o oposto do pai, um rapaz sensível com carácter em demasia para a sua idade, tem catorze anos mas mais aparenta ter dezoito. Ao mesmo tempo é fraco, deixando-se levar pelas aparências com igual facilidade.
Pedro estava trancado no seu quarto havia horas. Triste, pensava que o seu pai, que não pára de falar no trabalho, e não gostava de si. Dora não aguentou mais ver o seu filho assim e sobe as escadas, batendo à porta do seu quarto em seguida.
- Filho, abre a porta, por favor! – Pede-lhe. – Deixa-me entrar, quero ver como é que estás! Estou preocupadíssima contigo!
Pedro, que estava deitado na cama, com uma mão por baixo da cabeça, e jogava uma bola de ténis para o ar, apanhando-a com a mesma mão, levanta-se, descalço, e caminha até à porta. Encostando-se à ombreira, abre-a e deixa a mãe entrar.
- Filho, como estás?
- Estou bem – responde Pedro, abrindo os braços – Graças a Deus que estou vivo! – Acrescenta ele sem ter noção do seu estado.
- Pedro, tu não estás bem! O que se passa? – Insiste Dora novamente.
- Mãe, eu sou um homem… – Pedro limpa uma lágrima e não consegue continuar.
- E os homens não choram. – Completa a mãe por ele. – Mas não há problema nenhum em chorar, às vezes deitar tudo cá para fora faz bem; desabafas!
- Mãe, porque é que o pai não gosta de mim?
- Da onde é que tiras-te isso agora? – Admira-se Dora – O teu pai gosta de todos vocês de igual forma, não há distinções.
- Claro, deve ser por isso que, faça eu o que fizer, ele não repara em mim – justifica-se tristemente o rapaz.
- Não digas isso, filho. – Nega Dora – Eu e o teu pai amamos-te, e muito. – Adianta.
- Se o diz – acede Pedro, pouco convicto. – O pai, já chegou? – Pergunta, com falta de interesse.
- Não, julgo que não – responde Dora, com uma expressão totalmente diferente no rosto. Depois, volta-se e dirige-se para a porta.
- Mãe. – Chama Pedro. A mãe retorna ao seu lado. – A mãe acha normal que o pai me esteja sempre a dizer que o Gonçalo não fazia tantos disparates? E que o Tiago era exemplar na escola? Que só comigo é que existem tantos despropósitos assim? – Pergunta verdadeiramente angustiado – Será que ele já se deu conta de que eu sou o Pedro? Que sou diferente de todos os outros?
- Tens que lhe dar um desconto, Pedro – apazigua-o Dora – Afinal, ele é teu pai.
- Antes preferia que não fosse – diz Pedro, deixando a mãe, um pouco sem saber o que dizer.
- Bem, tu vens jantar, vou avisar a Joana! – Declara Dora, saindo em seguida do quarto.
Pedro fica só e deita-se na cama, pensando há quanto tempo precisava de algo diferente na sua vida, alguma coisa que lhe desse a paz necessária e o tornasse feliz, um motivo pelo qual o fizesse sorrir e o modificasse totalmente. O rapaz carece de afecto.
Ouve uma música repentina; um aparelho preto salta no chão.
- Que chatice!
Ele levanta-se e apanha-o, premindo depois a tecla verde e encostando-o ao ouvido.
- ‘Tou.
- Olá Pedro! É o Tomás! – Dizem do outro lado da linha – Olha fui à net e ver se estavas online e como…
- Não estava, resolveste chatear! – Conclui, Pedro. – Vá, diz rápido!
- Era para te convidar para sair, hoje.
- Ah, e onde?
- Ao Bauhaus. Tentávamos arranjar umas miúdas.
- Pode ser. Mas umas miúdas? Deixa-me ir ver a minha agenda…
- Oh, ok. Já passo aí apanhar-te.
- Não dá! – Pedro faz uma pausa. – Espera, talvez possa sair mas ninguém pode saber, cá em casa! Trazes o carro da tua mãe?
- Levo.
- Óptimo, então eu posso conduzir! – Informa Pedro.
- Sim, se quiseres.
Alguém bate à porta do quarto de Pedro e ele desliga o telemóvel.
Tomás Bettencourt era o melhor amigo do Silva Lobo. Tendo os dois a mesma idade, andam juntos para todo o lado e não vivem um sem o outro. Tomás é parceiro de todas as loucuras de Pedro, para além de seu cúmplice.
- Ai! Que susto! Queres matar-me do coração? – Exclama Pedro.
- Desculpe, menino Pedro. Era só para lhe dizer, que o jantar está servido e que sua mãe o espera na sala.
- Ok, Joana, eu vou já. – Diz o rapaz, saindo do quarto e descendo as escadas atrás da empregada, ao mesmo tempo que alguém toca à campainha. Atravessa a sala, um homem com calças pretas com finas riscas claras, camisa branca de laço preto e um colete a condizer com as calças, com um monóculo encravado no olho, e com os sapatos tão envernizados que alguém poderia ver o seu próprio reflexo, dirigindo-se à porta no seu passo lento. Abre-a e deixa entrar Sérgio.
- Boa noite, Doutor – cumprimenta o empregado.
- Onde estão a doutora e o Pedro? – Pergunta Sérgio, enquanto dava a pasta ao seu fiel empregado.
- Estão na sala. Vão agora jantar – declara o empregado
*
Lisa está no quarto, deita-se na cama e tenta dormir, já que o seu pai não a tinha deixado esperar pela mãe. Ela ouve uma porta a abrir-se e as luzes da sala acendem-se de repente.
- Tu não tens vergonha? – Pergunta Scott, incrédulo, ao ver Sónia a entrar em casa.
- Scott, eu estava a trabalhar – desculpa-se ela.
- Do you know what time is it, Sónia? – Pergunta Scott, quase fora de si. - Are you insane? This house is yours, but I pay for your bills, so it’s my home too! Therefore, I think I can whatever I want!
“”” – Estás maluca? – Pergunta Scott, muito sério. – Isto é teu, mas eu pago as tuas contas, então também é meu! Portanto eu acho que posso falar como quiser.”””
- Oh, meu querido, se não estás bem, muda-te – reponde-lhe a mulher muito tranquilamente.
- You have a daughter with me, you are married to me and I don’t accept the consequences of your career, the attention you raise among other men! – grita Scott.
“””- Tu tens uma filha comigo, tu és casada comigo, e eu não aceito as consequências da tua carreira, a atenção que despertas nos outros homens! – grita Scott”””
No andar de cima, Lisa aperta a cabeça contra o colchão e tenta tapar os ouvidos.
- Eu não estou para ouvir isto, John! Eu sou uma mulher que trabalha, para sustentar a minha família, enquanto tu ficas para aí o dia todo ao computador – acusa Sónia. [atenção começam as desconfianças de Sónia em relação ao trabalho do marido].
- You ought to, or I’ll return to New York! – Grita John Scott.
“””- É melhor que o faças, ou eu volto para Nova Iorque!”””
- Então vai! O que é que está aqui a fazer? Vai para Nova Iorque, vai, escusavas é de ter vindo, para cá. – Retorque Sónia.
Na cama, Lisa dá voltas, sem conseguir adormecer com os gritos dos pais que não diminuem. Ela levanta-se sem ligar a luz, o luar bastava para que visse dentro do seu quarto. Caminha devagar até à cómoda, e pega num jarro tenta deitar água num copo, mas o jarro não tem nada. Lisa move-se novamente, circunda a cama, e assim consegue chegar à porta ainda fechada. Depois de agarrar e de vestir o seu roupão, abre a porta do seu quarto e sai, apoiando-se no varandim interno.
- O que é que se passa aqui? Vocês já viram que horas são?! – Exclama, quando se decide a descer as escadas. – Daqui a nada vem cá a policia, outra vez! Acho que já chega! – Lisa vai directamente até à cozinha, onde consegue saciar a sua sede.
- Vês o que fizeste?! – Acusa John ao mesmo tempo que cruza os braços, trémulos de nervos.
- Ai! Eu; é que fiz? Eu? John, eu farto-me de trabalhar e tu ultimamente… É que andas com uns ciúmes doentios. – Compõe a mãe de Lisa.
- Sónia, tu és uma mulher de família! Devias de estar aqui quando nós chegássemos. E não ficar no Teatro… – começa a dizer John tentando-se acalmar, para não sentir que deixa Lisa traumatizada.
- E já agora queres ter o jantar feito, não? – Reclama Sónia – John, eu nunca fui uma dona de casa exemplar aliás, tu sabes disso muito bem.
- Olhem, eu desisto! Vocês façam o que entender, mas deixem-me dormir! – Roga Lisa ao passar novamente pelos pais no caminho de regresso ao seu quarto.
- Deixa-me ver as tuas mãos, please. – Pede John ao mesmo tempo que estica a sua mão ainda trémula. Sónia põe a mão sob a sua. – Pois, se não fosses constantemente à manicura, e não arranjasses o cabelo dia sim, dia não serias uma dona de casa perfeita. Com respeito, aos ciúmes não me esqueci. – O sorriso na cara de Sónia desvanece-se. - Sim tenho-os mas não são teus, melhor até tenho raiva, ódio seja o que for, mas quero que saibas que eu não aguento ver os outros homens a babarem-se e a olharem para ti como se tu lhes pertencesses! – Grita John.
- Mas eu sou uma actriz! Eles não olham para mim, olham apenas para as personagens que eu represento! Tu não tens que ter ciúmes… – justifica-se Sónia.
- Para mim acabou – afirma John com a lágrima no canto dos olhos.
- O que queres dizer com isso? – Pergunta Sónia de repente aflita e super preocupada.
- Não vou dormir com uma mulher que se oferece aos outros homens – declara John.
Sónia dá-lhe um estalo a que John vira a cara para o lado. Em seguida, vê-se agarrada pelos pulsos abanada de forma violenta pelo marido. Este aproxima de Sónia de modo a impor-lhe respeito.
- Olha lá, minha menina, tu nunca mais me voltas a tocar, percebido?!
Um som vindo do exterior, uns faróis que iluminam o recinto, pára um carro à porta de Sónia, uma pessoa alta e trajada de preto ouve a discussão e pensa, duas vezes antes de agir. No entanto, mete a chave à porta e roda-a na fechadura empurrando a porta e depara-se com a discussão.
As almofadas do sofá pelo chão, Scott muito violento, e uma mulher que chora. As lágrimas de dor, de tristeza, de angústia de Sónia que lhe deixaram a cara toda vermelha e inchada, o ranho que entrava na boca, e fazia bolas nas narinas. Os cabelos despenteados abanavam-se no ar. A visita fica chocada com tal situação.
- Larga-a já, John! – Ordena-lhe Pipa.
Pipoca Castro, ou Pipa como frequentemente lhe chamam, é a confidente e assistente pessoal de Sónia. Próxima da família Scott, é testemunha do grande Amor que John nutre por Sónia e da dedicação que ele tinha a Lisa. Assim, não podia acreditar que John conseguisse levantar um dedo contra Sónia. Ele não seria capaz…